domingo, 10 de janeiro de 2021

10 de JANEIRO 2021 - Décimo dia da terceira década do terceiro milénio

A Arca de Emily Dickinson VS A arca de Fernando Pessoa

Emily Dickinson’s Bedroom © Dana Huff

Hoje deparei-me com uma singela coincidência na vida destas duas grandes figuras da história da literatura que me impeliu a escrever acerca do assunto. A grande poeta norte-americana Emily Dickinson viveu a sua vida de um modo isolado, principalmente os últimos anos, quase como uma reclusa fechada no seu quarto em Amherst (cidade natal da poeta), na casa de seu pai. Por esse motivo, os seus conterrâneos teciam vários comentários acerca de si, e os boatos que cresciam acerca dela sugeriam uma certa, digamos, dissonância entre o modo de viver de Dickinson e a sua sanidade mental, quase como se alguém que vivesse dessa forma não pudesse ter uma mente sadia. Como os seus poemas acabaram por nos revelar anos mais tarde, a sua mente não só era saudável como “absolutamente maravilhosa”. E eis que, após a sua morte, foram encontrados cerca de 1.775 poemas guardados num baú, escritos em qualquer pedaço de papel que ela conseguisse encontrar, uma "arca" tão simbolicamente parecida com a de Pessoa. A obra da poeta acabaria assim por ser salva, preservada nessa arca que, por estranha ironia, pertencia a uma sua criada irlandesa chamada Margaret Maher. Só mais tarde, e por iniciativa da sua irmã mais nova Lavinia Norcross Dickinson, a sua obra começou a ser editada, em 1890, quatro anos após Emily Dickinson ter falecido.

I died for beauty, but was scarce
Adjusted in the tomb,
When one who died for truth was lain
In an adjoining room. 

He questioned softly why I failed?
“For Beauty,” I replied
“And I for truth,— the two are one;
We brethren are,” he said. 

And so, as kinsmen, met a night,
We talked between the rooms,
Until the moss had reached our lips,
And covered up our names.

Emily Dickinson #448, The Poems of Emily Dickinson, Reading Edition, ed. R.W. Franklin (Cambridge: Belknap Press of the Harvard University Press, 2nd Edition, 1999), p. 207.

Quanto à segunda "caixa" de valor incalculável, a arca Pessoana, digo-vos que encontrei uma notícia do jornal "Público" de 29 de julho de 2011 a informar que a famosa arca onde Fernando Pessoa guardou os seus poemas, cartas e livros, foi arrematada em leilão, em 2008 em Lisboa, por 50.000 euros por um colecionador particular e “estará no norte do país”. Muitos foram os pessoanos que ficaram chocados, na altura, por o Estado não ter comprado a arca, mas o pior é que a Lusa contactou o gabinete do secretário de Estado da Cultura, àquela data, Francisco José Viegas, que confirmou não saber do paradeiro da arca, Fonte do gabinete disse ainda que “não é neste momento intenção da secretaria de Estado da Cultura encetar qualquer processo de aquisição do referido objecto”. Então, qual será o paradeiro destas duas arcas literárias? Vou seguir, por breves instantes, a ideia presente nos seguintes versos famosos de Fernando Pessoa, e no que neles disse a sua voz poética:

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada

Agora dou por mim a idealizar um espaço mágico num grande Solar do Minho.
Ali coloco dois objetos ímpares, lado a lado, para minha fruição particular.
A Arca de Emily Dickinson e a arca de Fernando Pessoa.
Fui eu o comprador anónimo desses dois icónicos objetos, em leilões distintos,.
Agora, em recato e isolamento, sinto-me arrebatado pela mera observação conjunta destes dois extraordinários tesouros no sossego do meu lar.
Agora...

 


 

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