domingo, 3 de janeiro de 2021

03 de JANEIRO 2021 - O terceiro dia da terceira década do terceiro milénio

 A que Mundo desejamos regressar no pós-Covid 19? Não queremos nem apreciamos a "nova realidade", mas seria a "velha realidade" um espelho correto dos nossos hábitos e das nossas idiossincrasias?

Migrantes aquecem as mãos sobre lareira improvisada no Campo de Lipa perto de Bihac, Bosnia-Herzegovina, na passada quarta-feira, 30 de Dezembro. Kemal Softic/AP

Hoje, dia 3 de janeiro de 2021, resolvi relembrar a todos a importância extrema da escrita.

Cientistas cognitivos mostram como a criatividade pode ser estimulada pela percepção de "algo que nunca se viu antes (mas que provavelmente sempre existiu)". Devemos ser capazes de promover pausas em nossos padrões familiares de pensamento para experimentar o mundo de novas maneiras e superar bloqueios mentais. Contemplar o nosso "tempo profundo" pode ajudar a cultivar uma apreciação cuidadosa das "nossas" histórias e futuros e também pode ajudar-nos a "refrescar" a mente durante os momentos difíceis e de maior agitação. Reservar alguns minutos por dia para uma contemplação profunda pode enriquecer-nos, evocando uma sensação momentânea de reverência. A capacidade de admiração e introspeção ajuda a expandir os nossos sentidos, o senso de tempo e pode auxiliar a promover o nosso bem-estar. A antropóloga Barbara King mostrou como a contemplação pode "expandir a mente e o coração" e o desafio passa por tentarmos descobrir, em nós mesmos, técnicas para conseguir acordar essa espécie de consciência através do processo criativo da escrita.

Escrever tem poderosos benefícios para a saúde mental que promovem a felicidade, a criatividade e pode até ajudar a construir a vida que desejamos viver. Não precisamos aspirar em ser o próximo Pessoa, Saramago, Mark Twain ou Jane Austen para nos considerarmos escritores.

Escrever promove o bem-estar e ajuda a processar emoções. Simplesmente escreva! Escrever abre um vasto conjunto de portas e sugere saídas para confessar medos e preocupações sem julgamento. Colocar os pensamentos em um pedaço de papel gera maior felicidade e redução do stress. Usar a escrita como uma ferramenta para expressar e processar eventos da vida ajuda a encontrar um sentido positivo para as coisas.

A escrita ajuda-nos a ganhar perspectiva sobre nós próprios. De acordo com a Psychology Today, "Simplesmente não há melhor maneira de aprender sobre os nossos processos de pensamento do que anotá-los." Escrever as emoções revela padrões de pensamento que levam a avanços na compreensão das razões pelas quais essas emoções surgem em primeiro lugar. Experiências passadas podem acionar nosso sistema de defesa automática, e as emoções surgem para nos proteger sem que percebamos ou saibamos por quê. Através da escrita, podemos adquirir a consciência das nossas emoções.

Escrever aumenta as chances de alcançarmos objetivos e autorrealização. Ao longo do dia, e principalmente nestes meses de pandemia, as nossas mentes estão hiperestimuladas com pensamentos menos positivos. Se reservarmos momentos para escrever, ajudamo-nos a refinar os processos de pensamento e a esclarecer nossos desejos. Ao escrevermos, o cérebro liberta dopamina, um neurotransmissor que desencadeia a sensação de prazer e motivação.

Escrever ajuda a suportar melhor os tempos difíceis da vida. Quando uma situação negativa ou inesperada nos acontece, a escrita serve de escape, auxilia-nos a enfrentá-la e a seguir em frente. Em momentos de dificuldade, devemos escrever de forma a prestar atenção aos sentimentos, recorrer a memórias, a pessoas e a todos os aspetos de nossas vidas para processar e superar situações mais delicadas.

Sim, é verdade. A escrita promove a felicidade. Evidências científicas provam a ligação entre atividades criativas e a felicidade. Tamlin Conner, docente e investigador da Universidade de Otago na Nova Zelândia, indica que a escrever diariamente pode levar à felicidade de longo prazo e inspira uma "espiral ascendente" de entusiasmo para buscar saídas ainda mais criativas. Explicou ainda que “o envolvimento em qualquer comportamento criativo leva a aumentos no bem-estar no dia seguinte, e esse aumento do bem-estar provavelmente facilitará a atividade criativa no mesmo dia”.

Pode haver uma qualquer história, quem sabe até um livro a aguardar do lado de fora da sua porta. Cada um de nós transporta consigo pedaços infinitos de histórias, como pedaços de terra possuem a sua própria história geológica. Com um pouco de pesquisa de fundo, podemos descobri-las e transformá-las através da escrita. Praticar a escrita é um exercício ímpar de reflexão sobre o nosso passado, presente e futuro. O truque é extrair informações e imagens que já temos em nossas cabeças, todos os acontecimentos, todas as memórias e paisagens, antigas e atuais, e estendê-las, analogicamente, ao longo do que resta do nosso tempo.

E agora, para uma melhor compreensão de tudo isto, ou talvez não,
eis aqui uma parte do poema interseccionista Chuva Oblíqua:

[…]
A grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro…
Escrevo – e ela aparece-me através da minha mão transparente.
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides…
Escrevo – perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Quéops…
De repente paro…
Escureceu tudo… Caio por um abismo feito de tempo…
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena…
Ouço a Esfinge a rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel…
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Quéops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso…
[…]
(Chuva Oblíqua, Fernando Pessoa,)

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