sexta-feira, 19 de julho de 2013

O SILÊNCIO DOS PROFETAS


Pelo centro da folha risco
a melodia de palavras inúteis
todas as palavras são inúteis
todos os poetas são inúteis

Os dias e as noites
as tardes e as alvoradas
os ritmos compassados
a que tudo acontece
com precisão matemática
ajustada ao mais inacreditável instante
de pureza inútil
pois tudo é inútil
como as palavras
os poetas
os dias
as tardes
as alvoradas

Os profetas não são inúteis
os profetas são os únicos que não são inúteis
essas bestas sabem de tudo
e calam-se
não vá alguém compreendê-los

Os profetas não são inúteis
protegem-se
protegem os seus
da inutilidade do que é
ser outra coisa qualquer
que não um profeta

A beleza é inútil
(e) atrapalha
torna ainda mais inúteis
todos os que lhe caem nas teias

Um profeta resolveu comunicar a um inútil
uma verdade insofismável
o inútil riu-se
chamou-o lunático
poeta
sonhador
todos os nomes inúteis
uma corja de inúteis
um bando de cretinos inúteis
como as palavras de todos os poetas

Inutilidade das palavras
futilidade dos sonhos
nada importa
só aquilo que não é inútil
só aquilo que os profetas sabem
e escondem
para se defenderem

Pelo centro da folha
risco palavras inúteis
todas as palavras passaram a ser inúteis
ao contrário do que deveria acontecer

Fútil
Inútil
Fúteis
Inúteis

Todas as palavras de todos os poemas
acontecidos e por acontecer
Os mundos deixaram de ser redondos
Passaram a ser tão inúteis
como os sonhos

Escondi as palavras no meio desta folha
dobrada em quatro páginas inúteis
se as esconder serei profeta
defenderei a minha glória
inútil
Não serei fútil

Se todos os sonhos
contidos em todas as frases
construídas por palavras fúteis
deixarem de acontecer
o silêncio dos profetas
será respeitado
será a única coisa não inútil
não fútil

Apesar de serem esses profetas
as maiores bestas
que o mundo novo
não fútil
composto por milhões de arestas
se encarregou de parir


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