sábado, 27 de abril de 2019

ABRIL, 45 anos depois. E agora?


E aqui estamos, 45 anos depois. Recordo o V de vitória que fiz com os meus dedos ainda pequenos, o braço direito bem esticado através da janela do MG 1300 cor de café com leite de meus pais. Descíamos a avenida em direção à rotunda do relógio nos Olivais Sul onde vivíamos.
Aqui estamos, 45 anos depois, e este é um mundo diferente, obrigatoriamente diferente desse de então. O Portugal de hoje vive uma realidade global em liberdade, colhida na revolução dos cravos, e foi através dela que aqui chegámos. Mas a liberdade, quando existe, é tudo menos igual nos quatro cantos deste nosso planeta. No nosso país orgulhamo-nos de poder expressar as nossas ideias e ideais sem o receio de sofrer as represálias de outrora, as censuras, a violência física e psicológica dos tempos da ditadura. Somos livres, existe tolerância, respeito, paz, e estas são conquistas de abril que demoraram meio século a concretizar e que todos os dias necessitam o nosso cuidado e permanente atenção.
Desde 1945, data do final da segunda grande guerra, que o mundo não vive um conflito mundial, mas o planeta não é capaz de viver em paz. Neste longo período de 74 anos têm sido inúmeros os conflitos regionais que transformaram as relações dos povos e dos diferentes países. O mundo está doente e necessitaríamos ainda de espalhar abril por muitas zonas e países da Terra, a casa comum de todos nós. Só existirá abril em liberdade quando ela for capaz de existir globalmente, quando a humanidade tiver consciência da sua casa por inteiro, mas são ainda tantos os abris por construir e conquistar.
Abril foi e é uma conquista dos portugueses, através dela vivemos em liberdade há 45 anos consecutivos mas a liberdade está ameaçada por meios e formas sofisticadíssimos de manipulação de informação e contra informação. Só existirá completa liberdade com uma educação apolítica e laica de qualidade, uma que consiga manter afastada das nossas sociedades a realidade Orweliana antecipada em 1984, onde o pensamento se pretendia inócuo, maniatado, prisioneiro de interesses e de regimes totalitários que descambaram em vivências sem sentido e vazias de esperança.
A ambição, a ganância, o desejo incontrolável de obter a suposta felicidade através de bens materiais, têm vindo a agrilhoar as nossas supostas liberdades com estereotipados ideais de existência. Liberdade deve ser sinónimo de felicidade, não de sucesso, de fama, de conta bancária, de eterna juventude, de luxo, de vaidade… Os gostos e interesses de poucos, as suas vontades, liberdades e formas de encarar a existência, têm vindo a destruir gradualmente o planeta que é de todos nós. As "liberdades" dos poucos poderosos que, pela sua ganância desmesurada e anónima, criaram interesses corporativos protegidos e blindados com estruturas de tal forma intocáveis que nem os poderes dos estados, que corrompem e corroem, conseguem abalar. Esta estranha forma de (não) vida tem vindo a destruir por completo a nossa casa azul. O planeta está enfermo, o mundo decadente, então porque nos continuamos a comportar como se nada se estivesse a passar?
Liberdade! A Liberdade deve e tem de ser festejada e celebrada, mas hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento da história da humanidade, é tempo de olhar para o presente enquanto ainda existimos como espécie, enquanto ainda é possível travar esta nossa irremediável caminhada para o abismo.
Aquecimento global, terrorismo, extinção em massa de espécies animais e vegetais, desertificação, poluição ambiental, crescimento demográfico, migrações em massa de refugiados, pobres, perseguidos, de minorias religiosas e étnicas, crescimento da xenofobia, do racismo, da violência de género, das catástrofes ambientais, dos fenómenos atmosféricos extremos, o aumento do nível dos oceanos, a alteração e manipulação genética das espécies, tudo isto acontece ao mesmo tempo que a globalização tem feito alastrar os fenómenos de manipulação de informação que têm dado origem a novos populismos e ao crescimento generalizado dos ódios e das muralhas entre os povos, entre aqueles que se consideram ricos, poderosos e donos da razão, entre os que Podem e os que Não podem, entre os que supostamente se consideram Livres e todos os outros que ameaçam as "suas" liberdades.
Hoje assistimos, impávidos e quase serenos, ao regresso da construção de muros, da criação de barreiras e o desenvolvimento, até quase á esquizofrenia, de sistemas de pseudo segurança e de regulação das nossas liberdades individuais e do nosso direito à privacidade e da limitação ao pensamento individual e coletivo. O direito à liberdade de expressão, à criatividade, à independência, à humanidade e à individualidade, um nome, uma identidade, uma pátria, sem estes valores não poderemos existir no mesmo patamar de igualdade de um qualquer outro nosso irmão ou irmã à face do planeta.
Vivemos hoje o mais complexo, trágico, absurdo e talvez irreversível momento histórico da nossa breve existência enquanto espécie humana, e fazendo jus à nossa mais primária e instintiva característica, continuamos a comportarmo-nos como verdadeiros imbecis.
Como será o nosso planeta daqui a mais 45 anos, como será a Terra na festa dos 90 anos do nosso 25 de abril? Acredito que o planeta ainda exista, mas não consigo imaginar que tipo de vida ou existência partilharemos uns com os outros neste nosso calhau à beira sol plantado.
Nada mais interessa, apenas isto interessa.
Viva a Liberdade!
Viva o 25 de abril!
(porque sim)
JS

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