segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

RELEMBRAR 70 anos da libertação de AUSCHWITZ



" - As cidades do holocausto, as várias cidades onde a humanidade se pulverizou, jamais irão desaparecer. Trouxe-vos até aqui pois a janela da minha sala mostrou as vistas desta triste história que muitos gostariam de apagar de todas as memórias. O tempo parece ser um inimigo da razão, pois envolve-a com teias finas mas poderosas. Teias fortemente emaranhadas, poeirentas e sombrias. Nada do que ali se passou pode ser esquecido.
Milhares de judeus formam grandes filas indianas e perfilam-se na grande praça central, obedecendo às ordens dos militares alemães. Mais um comboio acaba de chegar e os prisioneiros obedecem a tudo o que lhes é comunicado sem abrir a boca, sem resistir, sem quase ousar respirar. As lágrimas descem, silenciosas, pelos rostos, ao contrário da chuva gelada que cai sonora dos céus e os encharca sem piedade.
Quatro corpos são arrastados para fora de uma das carruagens, já sem vida, já sem cor. Os homens escolhidos para a empreitada estão tão magros e tão ausentes que a lentidão com que a realizam acaba de assinar-lhes sentença de morte. Caíram com o rosto virado para o chão enlameado, abatidos pela Luger do Obersturmbannführer que os vigiava. Nem assim as lágrimas dos que assistem se tornaram menos silenciosas. As vozes de comando escutam-se por todo o recinto e as filas avançam, ordenadas, até que a mais que provável morte os venha reclamar.
- Aqui tudo está errado! O facto de tudo estar a preto-e-branco é aquilo que menos choca nesta cidade. A cor, a única cor visível é o vermelho que escorre para o chão, o mesmo vermelho que empapa os parcos agasalhos, que pinta os rostos e adorna as feridas e que coagula depressa com a ajuda da temperatura negativa que já se faz sentir.
A chuva dá lugar à neve que começa agora a cair. Passa meia hora e o nevão ganha força suficiente para que a neve pegue. Aos mais cansados e derrotados o frio traz a morte embrulhada no sono. A companheira visita-os de madrugada e acabam por não acordar.
- Vais dormir aqui, terás de pernoitar nestas casernas do desalento. Obedece a todas as ordens, cumpre fielmente todas as rotinas, não penses, não reajas, não sufoques. Disseram-me para aqui te trazer e para aqui te abandonar. Perderás a cor, ficarás preto-e-branco como estes camaradas de infortúnio. Os dias e as noites que aqui passares irão moldar-te. É evidente que não serás o mesmo após esta experiência, isso, claro, se fores capaz de sair com vida desta cidade.
O sol desapareceu, os perfumes são outros, a realidade aqui parece ficção. Falam-se tantas línguas como em Babel, falam-se e escutam-se palavras em checo, palavras neerlandesas, búlgaras, italianas, romenas, espanholas, húngaras, francesas, russas, gregas, albanesas. Agora, neste comboio, chegaram também vozes portuguesas. São registadas nos livros, catalogadas para sempre. Num futuro distante, menos inquieto, menos negro, dilacerado e desumanizado, recordar-se-á tudo o que hoje aqui aconteceu.
- A tua obra vai ter de ficar parada por mais algum tempo. Quando quiseres, assim que te sentires apto a regressar, chama por mim, mas nunca antes de terem passado sete dias e sete noites. Essa é a cláusula que não podes quebrar, mas após esse período chama-me a qualquer instante para regressarmos às cidades que conhecemos.
Olhos negros, muito negros e profundos, todos os olhos negros e cansados e profundos viram-se para o escritor arrependido.
Esta noite está a ser gelada e incolor. Sussurros, lamentos, tímidas lágrimas vão dando sinais das muitas nações que aqui se encontram. Todos esperam que a morte os venha buscar de madrugada.
As fortes luzes dos holofotes do campo de concentração pintam sombras negras nas paredes de madeira da camarata 72. Entram por entre as frinchas e as janelas despidas. Juntam-se às sirenes, à escuridão da noite branca, da noite cada vez mais fria e branca e longa. Esta é a noite mais longa de todas as noites que o escritor viveu.
Agora chegou a hora de dormir.
Da janela da camarata os prisioneiros avistam uma cidade doente, fria, branca, cinzenta, cruel e tão real como reais são os vermelhos que os companheiros de infortúnio trazem pintado nos frágeis farrapos que os cobrem.
- Faltam sete dias e sete noites para que eu possa regressar! – pensa o escritor numa imensa aflição.
Agora chegou a hora de dormir!"


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

ÓSCARES 2015 - primeiras impressões

Todos os anos se repete o acontecimento mais badalado do cinema. Por esta altura, em Los Angeles, são anunciados os filmes e candidatos à mais famosa das estatuetas. Por esta altura se cometem injustiças e, tal como em anos anteriores, este ano voltam a ser cometidos alguns pecados capitais. Filmes que deviam ter sido nomeados não o foram, atores e atrizes que deviam ter sido nomeados, não o foram, realizadores que deviam ter sido nomeados, não o foram... enfim, mais do mesmo.
Lamentos de quem ama o cinema e considera que este devia ser o momento e o local para a consagração de quem é, de facto, o melhor nas suas categorias.
A academia não o faz, antes aproveita para manter e/ou promover aqueles que melhor se adaptam à sua "política" e as injustiças saltam aos olhos de todos os bons cinéfilos, principalmente os mais atentos e de gostos mais "europeus".
Falemos então de um nome que devia constar da lista dos melhores realizadores e argumentistas.- WOODY ALLEN!
Nem mais. O seu filme "Magic in the Moonlight" http://www.imdb.com/title/tt2870756/?ref_=nm_flmg_wr_3 é um dos seus melhores trabalhos, e passa completamente ao lado destes óscares 2015. Imperdoável.
Outro lamentável equívoco pela sonora e estridente ausência dos nomeados é a do ator inglês Timothy Spall, que fez um inesquecível e brilhante trabalho na "construção" do pintor inglês William Turner, papel que, aliás, lhe granjeou o título de melhor ator em Cannes, melhor ator pelo America's National Society of Film Critics, melhor ator pela NYFCC, melhor ator no Capri - Hollywood International Film Festival, e melhor ator nos  European Film  Awards. Passa também ao lado dos óscares deste ano.
E mais ainda terei para vos dizer. Contudo, fica desde já uma certeza. 2014 foi um ano em que os atores e atrizes britânicas voltaram a estar "por cima", e em todas as categorias faltam nomes que a academia fez questão em não destacar, como o de Ralph Fiennes ( no filme Grand Budapest Hotel ), ou Colin Firth ( no fime "Magic in the Moonlight", do realizador Woody Allen ).
Ainda assim há muitos britânicos nomeados para os óscares deste ano, e dois dos mais ferozes candidatos ao óscar de ator principal são ingleses. Falo de Benedict Cumberbatch, em Imitation Game, e de Eddie Redmayne, em A Teoria de Tudo.
Quanto ao melhor filme e realizador, um filme destaca-se claramente de todos os outros, assim como o seu realizador! Falo de Grand Budapest Hotel, de  . Na minha modesta opinião, o melhor dos filmes nomeados para estes óscares de 2015.
 


Até breve...
e Bom CiNEMA!!!
 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO

Os marinheiros sabem melhor do que ninguém qual é o verdadeiro peso da solidão, e de como ela se transforma naquela coisa insuportável que se entranha nos corpos e na alma e os transforma em estátuas.
Assim se esculpem os novos habitantes do fundo do mar, afastados uns dos outros por ordens expressas da dona morte.
Abandonados em isolamento, permanecem escondidos no mais profundo dos silêncios, numa escuridão quase total.
Descansam em águas tão profundas e geladas que nem o tempo por lá se atreve a passear.

Tudo quanto penso,
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou.

Extensão parada
Sem nada a estar ali,
Areia peneirada
Vou dar-lhe a ferroada
Da vida que vivi.

Fernando Pessoa

 

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