“Desejamos descansar, mas depois sentimo-nos ansiosos porque achamos que temos de estar sempre a fazer alguma coisa. O que para a maioria de nós significa estar ocupado. Não durante apenas algum tempo, mas o tempo todo.” As palavras de Claudia Hammond no livro “A arte de bem descansar” resumem bem o ritmo e a pressão alucinante dos dias de hoje. Aliás, na lufa-lufa da vida, no meio de listas de tarefas que se multiplicam sem nunca ver o fim, “estar ocupado e stressado tornou-se quase um crachá honorífico e um sinal de status elevado”, segundo diz a psicóloga britânica à “Notícias Magazine”. É como se pessoas ocupadas fossem mais bem-sucedidas – e que devíamos fazer o mesmo. Será mesmo assim?
O estudo “Teste do descanso”, desenvolvido por um grupo de psicólogos da Universidade de Durham, no Reino Unido, que investigou os hábitos de descanso de mais de 18 mil pessoas em 135 países, concluiu que a população mundial sofre de um défice de descanso. “Dois terços das pessoas disseram-nos acreditar que não descansavam o suficiente. E os níveis de bem-estar eram duas vezes maiores naqueles que achavam que descansavam adequadamente”, refere Claudia Hammond, uma das investigadoras que participaram no estudo e que acabou a lançar um livro a esse propósito.
As práticas laborais, o estilo de vida que promove a hiperatividade e a tecnologia que nos deixa sempre disponíveis uniram-se para conspirar contra nós e tornar a vida no século XXI de uma exigência brutal. “As pausas melhoram a memória e a concentração, mas, se não descansamos o suficiente e se nos sentimos cansados, o resultado pode ser o oposto: lapsos de memória, emoções afetadas, falta de concentração, mal-entendidos nos relacionamentos, julgamentos errados e até esgotamento.” E há que fazer uma distinção: descanso e sono não são sinónimos. Há muito que a importância da qualidade do sono é um tópico debatido, mas descansar é uma coisa diferente e não implica necessariamente dormir – lá iremos.
Pondo os olhos em Portugal, de acordo com Teresa Espassandim, psicóloga, “é conhecido o défice de sono dos portugueses, que tem razões sociais”, sobretudo ligadas às longas jornadas de trabalho e à dificuldade em conciliá-las com outras dimensões da vida. “Muitos portugueses, quando chegam finalmente a casa, têm de se dedicar às tarefas domésticas e a estar com os filhos, para quem os tem, o que significa que fica para muito tarde o tempo pessoal, de lazer, de descanso.” É tarde para começar a ver uma série, ler um livro, fazer atividade física, e corta-se nas horas de sono para tentar ganhar tempo de qualidade consciente. Um círculo vicioso, que só piora no dia seguinte. Para ajudar à festa, “estamos permanentemente conectados, sempre disponíveis, o que até pode soar bem, mas tem um impacto muito negativo na saúde e bem-estar”.
A psicóloga que trabalha a questão do descanso associado aos locais de trabalho não tem dúvidas: “Andamos generalizadamente muito cansados”. E o moralismo acerca da utilidade do que fazemos tem dedo nisso. “Temos de fazer coisas úteis, estar sempre a ser produtivos, o oposto do descanso. A verdade é que também precisamos de fazer nada, absolutamente nada, de sair do registo de exigência pessoal.”
Repousar e dormir são coisas diferentes
Mas descansar – e saber descansar bem – não é tarefa fácil. E, aqui, descansar refere-se a tudo o que fazemos durante o tempo em que estamos acordados e que nos deixa com uma sensação de estarmos revigorados. “As atividades que nos permitem parar por um bocado sem nos sentirmos culpados. Até podemos dormir o suficiente à noite, mas depois andamos a correr o dia todo esquecendo-nos de fazer pausas e perdendo todos os benefícios que isso traz”, aponta Claudia Hammond. Até porque relaxar é o que nos ajuda a regular o ritmo e a garantir energia para as exigências do dia a dia. Há mesmo evidências de que o tempo passado a repousar nos ajuda a decidir melhor, diminui o risco de depressão, fortalece a memória e até previne constipações.
No livro “A arte de bem descansar”, a psicóloga inglesa identifica as dez atividades consideradas mais repousantes e revela como tirar mais partido delas [ver caixa]. Mas como é que se chegou a este top 10? No estudo “Teste do descanso”, os participantes escolheram as atividades que consideravam ser as mais relaxantes. A partir daí, chegou-se à lista derradeira. E parece evidente que a maioria das opções é para fazermos sozinhos, talvez um indício de que “para nos sentirmos verdadeiramente revigorados, precisamos de tempo a sós”. Jardinagem, artes manuais, passar tempo com os animais de estimação, com os amigos e família, online e nas redes sociais, ficaram de fora dos itens mais referidos.
Mas isto não é um guia estanque e há uma certeza: descansar não tem de significar ficar sentado no sofá sem fazer nada. “Quinze por centro das pessoas disseram-nos que o exercício era relaxante, algumas acham mesmo que não conseguem desligar a mente das preocupações de outra forma. Mas, para alguns, correr é a última coisa que consideram relaxante.” No topo da lista está ler, apesar de para muitos descansar implicar a ausência de qualquer esforço mental.
Estratégias e atividades
Não há receitas mágicas com doses e atividades de descanso para todos, é um campo de autoprescrição. Ainda assim, há estratégias. “A palavra-chave está na intencionalidade. Reservar tempo para fazer uma atividade prazerosa da mesma forma que planeio obrigações”, sugere Teresa Espassandim. O primeiro ponto é listar coisas de que gostamos de fazer “e, às vezes, estamos tão tolhidos que nem sabemos o que nos dá prazer, nesse caso é experimentar coisas novas”. Fazer uma caminhada depois do jantar, ir para uma esplanada, ler um livro, meditar, cozinhar sem ser por obrigação.
Mas, atenção, é preciso realismo. “Se nunca reservo tempo para mim será muito arrojado e radical acreditar que vou conseguir fazer uma série de coisas na próxima semana.” A mudança de comportamentos não é fácil. Tem de ser gradual para se desenvolver o hábito. A psicóloga dá um exemplo simples: “Vou ler cinco páginas do livro todos os dias é diferente de vou começar a ler mais, que é muito abstrato. Temos de evitar aquele pensamento de ‘amanhã espero ter tempo para fazer uma caminhada’. É marcar a hora na agenda para a fazer.”
Teresa Espassandim avisa que “precisamos de parar de viver só para o fim de semana ou para as férias, sair do modo sobreviver todos os dias, equilibrar as obrigações com atividades prazerosas, introduzindo gradualmente, planeando, marcando, puxando o controlo para nós”. E descansar, garante, aprende-se, “da mesma forma que aprendemos a escovar os dentes quando éramos crianças”.
A psicóloga e conferencista internacional Claudia Hammond reconhece que o descanso é mais fácil para uns do que para outros. “Muitas pessoas sentem-se culpadas sempre que descansam e acham que não devem parar até terminar a lista de tarefas. Só que temos de aceitar que haverá sempre trabalhos que precisam de ser feitos, e que temos de encontrar tempo para nós. Sei que isto é um desafio gigante, mas até dois minutos de pausa fazem a diferença.”
Afinal, sonhar acordado é bom, olhar pela janela e deixar a mente viajar é bom, levantar-se da secretária e dar uma volta é bom, fazer uma pausa para café e conversar é bom. “Descansar é bom para o bem-estar e para a produtividade. E todos precisamos de descansar mais e melhor.”
Top 10 das atividades mais relaxantes
1 – Ler
2 – Estar no Meio da Natureza
3 – Estar Sozinho
4 – Ouvir Música
5 – Não Fazer Nada de Especial
6 – Uma boa caminhada
7 – Um belo banho de água quente
8 – Sonhar Acordado
9 – Ver Televisão
10 – Mindfulness
Factos e Números
500 mil
pessoas sofrem de stress relacionado com o trabalho no Reino Unido, segundo os dados mais recentes.
13%
dos acidentes de trabalho nos Estados Unidos podem ser atribuídos ao cansaço.
2/3
das pessoas acreditam que não descansam o suficiente, segundo dados do estudo “Teste do Descanso” que contou com 18 mil participantes de todo o Mundo.
2 vezes
maiores são os níveis de bem-estar em pessoas que descansam adequadamente.